Fim do governo Temer?

Por Homero de Oliveira Costa – prof. Departamento de Ciências Sociais da UFRN

A delação de Claudio Melo Filho, ex-diretor da Odebrecht, que foi vazada à imprensa, é apenas a primeira de um total de 77 acordos de delação de funcionários e dirigentes da empresa, e teve um efeito devastador para o governo Temer.  Um governo que já começou mal: resultado de um golpe, compôs um ministério sob suspeição, com vários ministros réus em processos do STF e pouco depois, afastados [foram seis ministros afastados em seis meses, comprovando a instabilidade do governo]. As denúncias vêm se acumulando e as mais recentes não foram as primeiras e certamente não serão as últimas, mas nesse caso específico, a implicação é óbvia: o presidente é citado 43 vezes nas 82 páginas da delação. Consta, entre outras coisas, [na delação de Cláudio Melo Filho] que em maio de 2014, ele foi recebido num jantar no palácio Jaburu, no qual o então vice-presidente pediu apoio financeiro de 10 milhões para ajudar na campanha do PMDB e que foi entregue, sendo 6 milhões em espécie ao atual chefe da casa civil Elizeu Padilha, o “primo” - citado 45 vezes na delação - no seu escritório em Porto Alegre. Desse total,  1 milhão foi  para Eduardo Cunha, o “caranguejo”.

A empreiteira fez doações a muitos partidos e candidatos e até mesmo a não candidatos.  Só o senador Romero Jucá, o “caju”, recebeu 19,9 milhões, Geddel Vieira, o “babel” recebeu (só da Odebrecht) 5,8 milhões e ainda mesadas regulares da empreiteira, além de ser acusado de ter recebido 3% do valor de uma obra. Na lista inicial estão presentes também o senador José Agripino (DEM/RN), o “gripado” que recebeu 1 milhão, intermediado por Aécio Neves, Moreira Franco, “o gato angorá” - citado 34 vezes - e que, segundo o delator, teria pedido 3 milhões de reais em propinas para eliminar a possibilidade da construção de um aeroporto no Rio de Janeiro por outra empreiteira, além de outros, jocosamente apelidados de Boca Mole, Todo-Feio, Índio, Missa, Moleza, Velhinho, Kimono, Bitelo, Corredor, Gremista, Campari, Ferrari, Decrépito, Feia etc. facilmente identificáveis na lista divulgada na imprensa, com os respectivos valores recebidos. E ainda teve 6 milhões para a campanha de Paulo Skaf,  candidato do PMDB ao governo de São Paulo, aquele mesmo dos patinhos na avenida paulista e Brasília, que bradava contra a corrupção do governo Dilma!(na prestação de contas  do candidato na eleição de 2014, disponível no site do TSE, consta uma receita de R$ 29.207.565,77 e nenhum depósito da Odebrecht).

O caso de Elizeu Padilha é emblemático pela posição que ocupa e porque são muitas as denúncias que tem se acumulado. No dia 17/05/2016, por exemplo, o jornal Folha de S. Paulo publicou matéria com o titulo “Ministro Elizeu Padilha é acusado de autorizar repasse suspeito” na qual se informa que ele consta como réu em uma ação civil de improbidade administrativa em que é acusado de ordenar o pagamento superfaturado de R$ 2 milhões a uma empresa, quando foi ministro dos Transportes do governo Fernando Henrique Cardoso (1997-2001): “Na ação, ajuizada em 2003 pelo Ministério Público Federal e aceita em 2013 pela 6ª Vara Federal do DF, Padilha é apontado como ‘lobista’ que usou do seu cargo para atender a pleitos políticos para pagamentos absolutamente ilícitos e ainda por cima superfaturados”. Mais recentemente, no dia 30 de novembro, a Justiça de Mato Grosso determinou o bloqueio de R$ 108 milhões em bens do ministro e de mais cinco sócios em duas fazendas localizadas no Parque Estadual Serra Ricardo Franco, em Vila Bela da Santíssima Trindade, a 562 km de Cuiabá, por degradação ambiental.  Mesmo assim, para o presidente, nada justifica a sua demissão dele nem de outros auxiliares, igualmente citadas em delações da operação Lava Jato.

Mas o fundamental é que a se confirmar as denúncias, mostra o profundo comprometimento de dois dos três poderes da Nação, o Executivo e o Legislativo, com uma empreiteira que afinal, não fazia apenas doações, mas investimento. Afinal, os que receberam dinheiro estariam, em princípio, defendendo os interesses da empresa, alterando ou criando leis e medidas provisórias, por exemplo. E aqui cabe a observação sobre um dos pilares da corrupção, que é a do financiamento privado de campanhas eleitorais, no qual a Odebrecht é apenas uma das muitas empreiteiras, empresas e bancos que financiaram campanhas, tanto em doações legais, como ilegais (o chamado “caixa dois”).

Quanto ao judiciário, há pouco, um episódio serviu para ampliar o desgaste da imagem do STF, que foi o caso de uma liminar do ministro Marco Aurélio Mello afastando Renan Calheiros da presidência do Senado e um dia depois, por 6 votos a 3, ele foi mantido pelo STF, tudo indicando tratar-se de resultado de uma articulação muito mais política do que jurídica. No artigo “Temer é hoje o obstáculo maior à normalidade democrática” (13/12/2016) Mario Sergio Conti afirmou que “O Planalto, o Supremo e o Congresso se uniram para salvar o sistema e incrementar a espoliação.” Até a revista Veja fez crítica (“Até tu, STF?”) e diz, entre outras coisas que o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou abrir mão de suas atribuições jurídicas para fazer política. O que chama atenção é que este é o mesmo STF que impediu que Lula fosse nomeado ministro, por decisão de um  deles e que manteve Eduardo Cunha  como presidente da Câmara, até que o processo de impeachment fosse concluído.

Quais são as saídas hoje? Manter um governo sem legitimidade, com crescentes índices de reprovação e sem uma base aliada consistente?  (há grande insatisfação na chamada base aliada. O PSB, por exemplo, que detém o Ministério de Minas e Energia, enfrenta problemas internos com setores defendendo a saída imediata do governo, posição já explicitada pelo diretório estadual do partido no Rio Grande do Sul).  A permanência de Michel Temer na presidência é hoje um fator de instabilidade, e como diz Mario Sergio Conti no citado artigo, “a sua manutenção no cargo  é gasolina no incêndio (...). Ele fará com que a crise se alongue  e faça mais vitimas. Atiçará os arautos da força” e termina o artigo com um “Fora, Temer”.

O que se observa é a desfuncionalidade das instituições, com seus riscos, associada a uma crise política e econômica, e suas consequências: baixa produtividade, recessão, altas taxas de juros, desemprego etc.

Tudo isso cria as condições para a desestabilização do poder político, e para além de uma crise política e econômica, uma crise institucional, cujos desdobramentos são imprevisíveis.  Nesse sentido, a meu ver, o perigo é crescimento da direita, de “salvadores da pátria”, que aproveita o vazio deixado pela falência da autoridade e da desmoralização do congresso e da desqualificação da política.

 Num cenário como esse, como um governo pode aprovar medidas de austeridade como a PEC 55? Como disse o senador Roberto Requião em discurso recente (12/12/2016): “Que moral tem a Presidência da República e o seu Ministério para propor qualquer medida de austeridade, qualquer sacrifício para o povo?  Igualmenteque moral tem o Congresso para aprovar uma emenda constitucional que preserva intactos os ganhos do capital financeiro enquanto reduz à esqualidez as conquistas e direitos populares?”.

Quanto à presidência da República, afirmou:deslegitimada tanto pelas denúncias de corrupção como pelas infelizes e erráticas medidas de austeridade e pelo forte impulso entreguista que distingue o núcleo central do poder” defende que “não há outro caminho que a convocação de novas eleições diretas para o comando do Brasil. Não há outra saída. A não ser que a maioria desta Casa e a Presidência da República decidam correr o risco de enfrentar o povo na rua”.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Data Folha, realizada entre os dias 7 e 8 de dezembro, portanto, antes, portanto, da publicação das denúncias do ex-diretor da Odebrecht, revelou o desgaste do governo.  A pesquisa aponta que 51% dos entrevistados consideram o governo ruim ou péssimo, 65%, o presidente falso, 75% acreditam que o presidente é defensor dos mais ricos, 58%, que é desonesto, 67% que o desemprego vai crescer e especialmente a maioria, 63% são favoráveis à sua renúncia.

A renúncia é possível? No momento, ao que parece, não é. Eleições indiretas? Idem e também não resolveria a crise e seria a continuidade do mesmo governo, da mesma política econômica, com outros atores, porque seria realizado por um Congresso completamente desmoralizado, com altíssimos índices de rejeição e dominado pelo chamado baixo clero (conjunto de deputados e senadores (re) conhecido pela mediocridade e práticas fisiológicas). E mais: até agora, o principal nome cogitado é o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que além de dizer que não aceitaria, não parece ser o mais credenciado porque, entre outras coisas, terminou o mandato de oito anos com altos índices de rejeição, no seu governo o país, segundo Aloysio Biondi no livro “O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado” (1999) teve um prejuízo de pelo menos R$ 2,4 bilhões com as privatizações do patrimônio público dado a “preço de banana” a grandes corporações privadas e é de um partido com vários de seus integrantes, incluindo ministros, governadores, senadores e deputados citados em delações da Lava Jato.

A questão é: caso Temer deixe o cargo, o que acontecerá? Para tanto há algumas hipóteses: a renúncia, o impeachment ou a cassação. O mais provável seria a renúncia, o que poderia ocorrer com a fragilização de sua base aliada e manifestações de ruas contra seu governo, ampliando o desgaste e nesse caso, dois cenários: se for até o dia 31 de dezembro deste ano, assumiria o presidente da Câmara dos Deputados (o “Botafogo” na delação de Claudio Melo Filho) e uma nova eleição deverá ser realizada em 90 dias e haverá eleição direta para um mandato “tampão” até o dia 1 janeiro de 2019, quando assumiria o presidente eleito pelo sufrágio popular em outubro de 2018. Caso Temer deixe o cargo em 2017, quem escolherá o novo presidente é o Congresso Nacional, ou seja, será uma eleição indireta. Nesse caso, para haver eleição direta, só a aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda a Constituição) alterando a lei e permitindo a realização de eleições antes de 2018. Mas como isso é possível com esse congresso e ainda mais com Lula liderando todas as pesquisas de intenção de voto? A possibilidade seria com a prisão (provável) de L.

O fato é que, nas perspectivas atuais, mesmo com a aprovação da PEC 55 no Senado, a situação do governo Temer é delicada, perdendo apoios dentro e principalmente fora do Congresso Nacional. É o fim do governo? Josias de Souza, jornalista da Folha de S. Paulo e insuspeito de simpatias com o PT e a oposição ao governo Temer, escrevendo logo após as delação do ex-diretor da Odebrecht afirmou que “O governo de Michel Temer, tal como o presidente imagina existir, já acabou. Ainda que permaneça no Planalto até 2018, Temer será um presidente coxo (...) constrangido e rejeitado (que) promete reformas e crescimento econômico, arrastando as correntes da Odebrecht como um zumbi”.  

 

 

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