Poeta Augusto de Campos dá um escracho intelectual no golpista Ferreira Gullar

Da Redação

Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, o poeta concretista Augusto de Campos dá um escracho moral e intelectual no poeta Golpista Ferreira Gullar. 

Sobre a provocação de que poderia perder uma indicação à Academia Brasileira de Letras e ainda um prêmio de R$ 300 mil em dinheiro por ser contra o golpe de Estado em marcha no País, Campos respondeu a Gullar que não se vende e disse ainda que a ABL é inútil, caduca e até nociva. 

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Um neocordeiro superconcreto e um expremio

Vestindo tosca pele de cordeiro e fingindo espanto, Ferreira Gullar se faz de vítima para contestar a réplica com a qual respondi a mais um acinte que, por estranha compulsão, voltou a me fazer.

Nunca me provocou –se lamenta. Nunca atacou os poetas concretos. Limitou-se, coitado, a discordar civilmente de nossas ideias. “Não é do meu feitio…”, agrega. E desfila com cinismo um rol de lamúrias, dizendo-se insultado por um “feroz inimigo”.

Assim se apresenta o angélico articulista que, nos últimos tempos, sem ter nada de novo a falar em literatura ou em arte, pôs-se a fazer virulenta campanha contra Dilma e seus defensores.

Não quer ter razão mas apoia a deposição da presidente eleita, operada cirurgicamente por uma trama vergonhosa de mídia, elites e altos poderes da República, num golpe ilegítimo em nossas instituições democráticas.

Ora, só se insulto for sinônimo de documento. O poeta aposta na desinformação dos leitores. Esquece, como certos políticos, que há jornais, revistas e entrevistas publicados. E imagina que o ataque é a melhor defesa, mesmo confrontado com impressos, datas e fatos que venho arrolando desde que abalroado pela acrimônia do poeta, como constantemente tenho sido.

Já desmontei, em artigos anteriores, a farsa da precedência de Gullar sobre o reconhecimento de Oswald pelos poetas concretos. Com documentação irrefutável sobre a qual silenciou. Que sentido teria a nova menção ao meu nome se não a de voltar a inculcar a balela de que descobriu Oswald para nós?

Mas não é só. Volta a afirmar que publicamos um “manifesto” no “Jornal do Brasil” apregoando que a poesia concreta seria feita a partir de “equações matemáticas”. Não é verdade. Tratava-se de artigo de Haroldo, postulando o que entendia por “matemática sensível” do poema, na linhagem de Poe, Lautréamont (“Ó matemáticas severas”), Pound (“poesia, matemática inspirada”) Maiakóvski (“eu à poesia só permito uma forma: concisão, precisão das formulas matemáticas”).

Gullar nunca telefonou para mim ou para Haroldo (que mal conhecia). Não tinha intimidade, telefone ou peito para isso. Publicou, sem aviso, e com uma réplica, o artigo de Haroldo. E quando este mandou sua tréplica, Gullar e Reynaldo Jardim a vetaram.

Durante mais de meio século, passou ele, destemperado, a agredir-nos em artigos e entrevistas, nos quais repetia que a poesia concreta era bobagem e Haroldo e Décio não eram poetas, excetuando-me com a ressalva de que havia sido corrompido por eles. Jamais o provoquei, limitando-me a responder-lhe.

Não redargui ao seu artigo com ressentimento, embora não tenha qualquer respeito por seu perfil ético. Nossos caminhos não mais se cruzam. Não me interesso por sua poesia, que considero apenas regular. Cutucado, não o insultei. Usei do humor oswaldiano que lhe falta, porque não conhece realmente Oswald. Conhece apenas o seu próprio umbigo.

Se há alguém ressentido é ele, porque a poesia concreta é a vanguarda que deu certo, seu prestígio internacional é inquestionável. O prêmio Pablo Neruda só fez comprová-lo.

Para piorar, o Acadêmico Ferreira Gullar acena-me com um prêmio de R$ 300 mil da Academia Brasileira de Letras, que eu deixaria de levar, apesar do seu “placet”, por ter criticado a entidade. Ora, somos mesmo pessoas completamente diferentes. Como somos poetas diferentes. Isso, sim, é um insulto. Jamais aceitaria qualquer prêmio, de que valor fosse, vindo dessa instituição, que considero inútil, caduca e até nociva, pelo mau exemplo que dá à cultura brasileira, acolhendo gente que nada tem a ver com literatura –velhos políticos, governantes, empresários e jornalistas conservadores– uma confraria de mediocridades que se chamam despudoradamente de “imortais”, envergando fardões, espadas, colares e medalhas. Com raríssimas exceções.

Nego-lhes autoridade para conferir prêmios e prebendas. E encerro com as palavras de um poema instrutivo e fácil de entender: NÃO ME VENDO / NÃO SE VENDA / NÃO SE VENDE.

Publicado originalmente na Folha de S. Paulo.

 

 

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